sábado, 18 de abril de 2020
jueves, 16 de abril de 2020
Rubem Fonseca
Só tenho duas filhas, uma de catorze anos chamada
Jacqueline e outra de treze de nome Gisele, porque uma das patroas que tive era
uma médica que trabalhava na prefeitura e ela me disse que ia fazer ligadura
das minhas trompas mas que ninguém podia saber porque era proibido fazer aquele
tipo de operação num hospital público, o governo e os padres não deixavam, se
soubessem ela perdia o emprego. Então ela fez escondido fingindo que estava
tratando uma infecção urinária. O pai das meninas me deu um pontapé na bunda
quando elas ainda eram pequenas, levou tudo com ele, até a televisão, e eu
fiquei cuidando delas sozinha. Tive outros homens, mas eles não puderam fazer
filhos em mim graças à santa da minha patroa, o nome dela era doutora Raquel. Depois de algum tempo fiquei sem homem dentro de
casa, eram todos pessoas muito ruins, teve até uns que batiam em mim, um deles
quebrou esse meu dente da frente com um soco. Então, eu me desiludi de homem e
decidi viver sozinha. Tenho um patrão viúvo legal, que me paga em dia e
aumenta sempre o meu salário, e nem quer saber da casa, me dá o dinheiro das
compras e não confere, eu dou a nota do supermercado e ele nem olha. Também não
se interessa por comida, o que eu ponho na frente dele ele come, quase sempre
lendo um livro. Então Jacqueline ficou grávida. Ela sempre foi
uma menina que dava muito trabalho, não gostava de estudar roubava dinheiro da
minha bolsa, mas eu perdoava, mãe existe para perdoar. O pai era um garoto um
pouco mais velho do que ela.Jacqueline disse que não queria tirar, que queria
ter o filho e depois, se achasse chato, dava o bebê. O menino já fez quatro
anos e ela não deu ele pra ninguém porque quem sempre cuidou dele fui eu, deixava
na creche na hora do meu trabalho, e comprava tudo, fraldas, o leite da
mamadeira, o talco para assadura do bumbum, remédios, tudo. Como o meu salário
não dava, eu apanhava dinheiro na carteira do meu patrão, duzentos, trezentos,
ele era muito distraído e nem desconfiava. Enquanto isso Jacqueline passava as
noites em festas e eu disse a ela que se ela ficasse grávida de novo eu não ia
cuidar do bebê, ia expulsá-la de casa. Então conheci o Jeferson. Ele era branco, usava
cabelo comprido, tinha quarenta anos. Estava se separando da mulher e perguntou
se podia ir morar na minha casa. Esqueci de dizer que o meu patrão me deu uma
casinha com dois quartos. Eu disse ao Jeferson que sim, é bom ter um homem
dentro de casa, e o Jeferson já tinha trabalhado de bombeiro eletricista e
sabia fazer essas coisas que nós mulheres não sabemos. Jeferson estava desempregado, procurando
trabalho, e assim, enquanto ele não conseguia um novo emprego, eu dava a ele
uns trocados para comprar cigarro, mas eu sabia que ele fingia que fumava três
maços por dia e fumava apenas um e o resto do dinheiro era para tomar uma
cachacinha, só que eu fingia que não sabia. Ele era um homem forte, mas na cama
era meio frouxo. No início ele me comia nos sábados, depois nem isso. Depois de
seis meses sem me comer eu falei com ele, Jeferson, você não faz nada comigo
tem seis meses, você tem outra mulher? Ele jurou por Deus que não tinha mulher
nenhuma, aquilo que estava acontecendo com ele era porque ele estava muito
preocupado por não conseguir arranjar emprego, o que deixava ele nervoso, e um
homem nervoso não dá no couro. Eu disse, você passa o dia dormindo e vendo
televisão, assim não vai arranjar emprego nunca. Jeferson respondeu que eu
estava sendo injusta com ele, que eu não sabia o quanto ele sofria, que um
homem com vergonha na cara odiava aquela situação, ser sustentado pela mulher.
E fez uma cara de cachorro triste que cortou o meu coração. Todo dia, quando saía pela manhã para ir para o
trabalho, de segunda a sexta — meu patrão me dava folga no sábado e no domingo
—, eu preparava tudo para o Jeferson, ele gostava de sanduíche de queijo e eu
deixava os sanduíches prontos e o café na garrafa térmica para ele e para
Jacqueline, ela e o Jeferson gostam de acordar tarde. Então eu levava o menino
para a creche e a Gisele para o colégio e ia para o meu trabalho. Acho que o meu patrão não dormia, pois a cama
dele nunca estava desfeita e ele ficava lendo o dia inteiro ou então sentado na
frente do computador e eu tinha que insistir para ele almoçar, não era fácil.
Acho que é por isso que ele era tão magrelo, eu devo pesar o dobro dele, acho
que era porque eu devorava biscoito o dia inteiro, e doce de leite, e
chocolate, que eu comprava fingindo que era para ele, mas que ele nunca comia.
Minha irmã, Severina, disse que eu estava muito gorda e que era por isso que o
Jeferson não transava comigo. No dia em que ela me disse isso pelo telefone eu
saí do emprego e quando cheguei em casa o Jeferson estava vendo televisão e eu
desliguei a televisão e perguntei, Jeferson, você não transa comigo é porque
estou muito gorda? Ele respondeu, meu amorzinho, é aquele nervoso que eu falei,
passo o dia procurando emprego e não arranjo nada, você não sabe como isso me
faz sofrer. Já estou procurando emprego há mais de um ano, é duro. Fiquei com peninha dele e liguei de novo a
televisão. O que vai ter hoje para o jantar?, Jeferson
perguntou. Respondi que ia fazer costeleta de porco com
batata frita, que ele tanto gostava. Você é uma mulher maravilhosa, disse
Jeferson acendendo um cigarro e olhando para a tela da televisão. Modéstia à parte, eu faço uma costeleta de porco melhor do que
qualquer restaurante. Jeferson come umas cinco, no mínimo.